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Maria do Rosário Gonçalves

 

Preta, magra e alta, cheirando a coentro,
Vestindo chita, saia de babado,
Pano na cabeça enrodilhado
E em cima, lata d’água e cuia dentro.

Remexe os quadris em rebolado,
Pula aqui e acolá, no chão pedrento
Ginga e se sacode em balanceado,
Qual “Ford” sem parafuso de centro!

“Benzinho” pra aqui, pra ali “benzinho”,
“Tu tá bão, como tu tá neguinho?”
Remeleixo mais das ancas faz!

Viveu muito a nosso retratada,
Sempre alegre, querida, estimada,
CARREGADEIRA D’ÁGUA DE GOYAZ!

 

São poucas as lembranças e homenagens a Maria Macaca; uma delas é este poema de Eduardo Henrique de Souza Filho, no livro “Canteiro de Saudades”.

Junto à família não encontramos documentos, apenas registros de nascimento de duas filhas, fotos, e fomos guiados por depoimentos da neta – Dona Nesci – e, após sua morte, por relatos de descendentes de vizinhas de Maria na Praça do Capim, onde ela sempre morou, até os últimos dias da sua vida.

Maria do Rosário Gonçalves, nascida na antiga capital Goyaz, hoje cidade de Goiás, por volta de 1880, preta, descendente direta de negros escravizados, nasceu “livre” em uma sociedade desigual e preconceituosa.

Por ser de família humilde e de negros em um período em que registros fotográficos ou escritos eram produzidos apenas e para as famílias tradicionais e brancas, quase não temos registros de Maria, poucas fotos feitas por Dom Candido Penso – Bispo fotógrafo.

Segundo relatos Maria teve duas filhas: Violeta Martinha do Espírito Santo, nascida no dia 3 de novembro de 1909, e Aurea do Espírito Santo Gonçalves, nascida no dia 21 de fevereiro de 1913.

Segundo a folclorista Regina Lacerda:

 

“Em outros tempos, era muito grande o número de mulheres que ganhavam o sustento da casa com o pote na cabeça, transportando água (potável) o dia todo. Não serviam apenas as famílias, serviam também às repartições públicas, às escolas, escritórios e casas comerciais. (A água do poço não era utilizada para beber por conter alto teor de sais minerais, que a tornavam de sabor desagradável – salobra.) Recebendo por mês ou por viagem dada, lá iam as carregadeiras, alegres, limpinhas, conversadeiras, faceiras e até parecendo muito felizes.”

 

Assim era a vida e o trabalho de Maria, conhecida popularmente como Maria Macaca: uma mulher que para manter o sustento da sua família trabalhava como carregadeira d’água na cidade de Goiás.

Apesar da dureza do seu ofício, era conhecida por estar sempre alegre ao trabalhar: equilibrava a lata d’água na cabeça e dava pequenos pulinhos nas ruas de pedras da cidade. Criou suas filhas trabalhando como carregadeira em um momento que a cidade não tinha água encanada e, junto com várias mulheres pretas da época, era fundamental para o abastecimento urbano da cidade.

Em 2014, ao pesquisar sobre as lavadeiras do rio Vermelho, o cineasta Lázaro Ribeiro conheceu Dona Nesci, neta de Maria, que narrou em entrevista a história de sua avó, que lhe ensinou o ofício de lavadeira. Enquanto Maria carregava água do chafariz da Carioca, a menina ficava no rio lavando roupas para ajudar no sustento da família. Assim nasceu o curta-metragem “Maria Macaca”, em que nossa personagem foi interpretada pela atriz e poeta Elisa Lucinda, que, ao se encantar com Maria, fez um poema intitulado: “A mulher encantada”, do qual partilhamos um trecho:

 

Maria canta
pelas ruas de Goiás velho.
O que leva na cabeça é maleável,
não para um minuto de se movimentar.
O liquido dentro do recipiente
é sempre parente do oceano,
é sempre um filho do mar,
posto que é água e por isso não para de andar.
Mesmo dentro da lata
seu jeito é dançar.
A água sagrada que leva
para as casas
caminha com ela nas manhãs
entre as pedras
e a mulher-água dança entre elas, como faz a liberdade para ir,
caçando um jeito de escorrer e seguir firme entre obstáculos, driblando as dificuldades.
Ri, pula, canta brinca.
Para ela,
gente não tem mesmo idade.
A piada, a molecagem,
a coragem, esta genuína centelha que sua história marca,
acabou por dar-lhe o gaiato apelido
de Maria Macaca.
As crianças brincam com ela,
as vozesinhas varando a beleza da tarde quente na cidade encantada,
como se a mulher fosse o seu maior brinquedo inocente, brinquedo bom é feito todinho de gente:
Maria macaca
Maria macaca
Maria macacaaa!!!
Maria canta aos cântaros sua beleza na eternidade
de nossa memória,
Pra que nunca se acabe
esta liquida realeza,
pra que não se percam na história,
pra que ninguém esqueça
de cuidar da floresta que garante chuva, cachoeira, córregos,
lagoas, fontes, mares e mistérios,
com sua lata Maria Macaca ainda canta pelas ruas do Goiás velho.

 

Por muitos anos, Maria carregou água para inúmeras famílias, no precário período em que a antiga capital não possuía água encanada.

A nossa proposta é desenvolver uma pesquisa cuidadosa e detalhada, por meio do Museu da Memória de Goyaz, para mantermos sempre viva essa mulher forte que cuidava da água, bem precioso que levava na cabeça e matava a sede do povo de Goiás.

 

Texto/pesquisa: Jadson Borges e Lázaro Ribeiro

 


 

Maria Macaca

Maria Macaca é um drama narrado por dona Nesci, neta de Maria, que relata a vida difícil de sua avó, uma carregadeira d’água, negra, alta, magra e alegre, de pés firmes, nas pedras das ruas da velha Goiás. Figura saltitante com sua lata a equilibrar o líquido que nutre e preserva a vida, uma mulher de grande valor. A obra tem roteiro e direção do cineasta vilaboense Lázaro Ribeiro. O curta é estrelado pela atriz e poeta Elisa Lucinda. Maria Macaca é uma realização do Ponto de Cultura Imagem da Memória, da cidade de Goiás, por meio Cia Express’arte que produz vídeos salvaguardando o patrimônio imaterial do município que é Patrimônio Mundial.

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