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Pedro Ludovico Teixeira

 

CAPÍTULO I

NASCIMENTO, INFÂNCIA, JUVENTUDE e REVOLUÇÃO DE 1930

“Vi a luz do dia numa casa espaçosa, situada nas proximidades da Igreja do Rosário. Ali moravam meus avós maternos, minha mãe Josephina Ludovico de Almeida e minha irmã Dulce de Almeida Teixeira Álvares. O meu irmão mais velho, João Teixeira Álvares Júnior, estudava na Bahia, por conta do meu pai, que residia em Uberaba”. Assim Pedro Ludovico descreve o seu nascimento.

O motivo pelo qual Pedro Ludovico Teixeira Álvares nasceu na rua Atrás do Rosário no 5, esquina com o beco Ouro Fino, na cidade de Goiás, foi a separação de seus pais, ocorrida pouco antes de seu nascimento em 23 de outubro de 1891.

Seu pai, João Teixeira Álvares, que nascera em 10 de julho de 1858 em Luziânia, era filho de José Benedito Roriz Teixeira Álvares e de Clara de Araújo Leite, naturais de Santa Luzia (hoje Luziânia), Goiás.

Sua mãe, Josephina Ludovico da Almeida, natural da cidade de Goiás, nasceu em 28 de maio de 1859, filha de Pedro Ludovico de Almeida e de Maria Inocência Ribeiro da Maya Almeida (Sinhazinha). Eles se casaram na cidade de Goiás em 16 de novembro de 1880.

O pai de Pedro Ludovico iniciou seus estudou no Seminário de Ouro Fino, perto da capital, hoje em ruínas. Quando era adolescente foi levado para o Rio de Janeiro, por seu padrinho vocacional, o bispo de Goiás, dom Joaquim Gonçalves de Azevedo, para estudar no Colégio Pedro II e terminar seu curso religioso preparatório. Aos 18 anos, em 1876, contudo, João desistiu de ser padre e, perdendo a ajuda financeira do bispo, foi ajudado pelo tenente do Exército Guilherme Ludovico de Almeida, que morava no Rio de Janeiro. Conhecendo a família do jovem goiano e sua situação de desamparo, o tenente pagou-lhe a hospedagem no Hotel Locomotora durante três meses. Após voltar para Goiás em 1876, João concluiu o curso secundário e retornou ao Rio de Janeiro, onde tentou se matricular num curso superior. Não tendo tido êxito, foi novamente para Goiás, onde passou a trabalhar no armazém do seu tio e padrinho João Gualberto Teixeira, no Largo do Rosário.

D. Sinhazinha, mãe de Josephina, comprava nesse armazém e foi nessa loja que encontrou o jovem João, a quem não reconheceu. Pouco antes elas tinham passado por ele na rua e, curiosa, Josephina perguntara a um amigo quem era aquele moço que estava na cidade e completou dizendo que a ele ela poderia dar um caju, fruta que era símbolo de paixão.

No armazém, João aproximou-se delas para contar que havia presenciado no Rio de Janeiro a morte de Ildefonso Ludovico D ́Almeida, irmão de Josephina, que estudava na Escola Militar da Praia Vermelha e falecera no dia 20 de abril de 1876. Era uma tentativa para acompanhá-las até à casa delas, mas, elas não aceitaram.

Cinco dias depois, João, mandou pela escrava que trabalhava para o tio e vendia bolos de arroz um bilhete para Josephina. Nele dizia: “Excelentíssima Senhora, há poucos dias tive o prazer de vê-la em casa do meu tio. A grande simpatia de que é dotada influiu tanto em meu espírito que nunca mais pude esquecê-la. Desejo muitíssimo saber de V. Excia. se também tive a felicidade de ser correspondido. É esse o motivo que me leva a dirigir-lhe esta, ainda mesmo não tendo intimidade alguma com V. Excia”.

No dia seguinte a mesma a escrava perguntou a Josephina pela resposta para João. Ela pediu que falasse ao moço que não responderia porque, sendo ele um estudante, logo iria embora e ela ficaria desmoralizada se mantivesse correspondência com um rapaz sem depois se casar com ele. Era esse costume da época.

Cinco dias depois, João escreveu à jovem fazendo um pedido formal de casamento. Ela lhe respondeu então que iria pedir permissão ao pai, que estava trabalhando em Formosa, Goiás. Seu pai lhe respondeu assim: “Minha filha, consulte seu coração. Sei que o rapaz é de boa família. Conheço-a. Não me oporei se você pensa encontrar nesse matrimônio sua felicidade”.

Geralmente as mães iam fazendo o enxoval das filhas desde cedo, e o dela já estava preparado. Cinco meses depois, em 16 de novembro de 1880, João e Josephina se casaram.

Por dois meses moraram na casa de D. Sinhazinha. Em fevereiro de 1881 mudaram-se para o Rio de Janeiro, incentivados pela sogra que se propôs a ajudar João a custear seu curso de medicina.

João Teixeira Álvares valendo-se dos conhecimentos que tinha na Corte graças a seu relacionamento com o bispo de Goiás, procurou o visconde de Ouro Preto, Afonso Celso de Assis Figueiredo, para lhe pedir uma recomendação para um emprego. O visconde o aconselhou a se dedicar somente aos estudos, caso contrário não seria nem bom estudante nem bom empregado, prometeu, porém, lhe dar uma mesada, e assim fez, até que, no terceiro ano do curso, João dispensou a ajuda do visconde pois passara a trabalhar no Gabinete de Histologia da Faculdade.

Josephina e ele passaram a morar no bairro do Catete. Ali sua filha mais velha, Clara, faleceu de febre amarela com apenas quatro anos e meio de idade, no dia 22 de junho de 1885. Muito chocado com a morte da filha, João se ofereceu para trabalhar gratuitamente na comissão de estudos das causas da febre amarela da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, tendo sido nomeado pelo ministro do Império dr. Domingos José Freire.

Nesse mesmo ano, 1885, nasceu o filho João Júnior, e ele se formou em medicina, com distinção, em 30 de dezembro.

O casal mudou-se para Araxá, Minas Gerais, para explorar as terras que João recebera como herança, a Fazenda Barreiro, de águas sulfurosas. Ali João fundou o primeiro jornal da cidade, a Gazeta de Araxá, em meados de 1886.

No final mesmo ano 1986 o casal decidiu voltar para Goiás. Além de clinicar, João deu aulas de francês no Liceu Goiano e o casal teve a terceira filha: Dulce, em 1887.

A família voltou para Araxá, Minas Gerais, em 1888, para facilitar as viagens que João sempre fazia ao Rio de Janeiro, onde o casal conheceu e conviveu com a família real em festas e frequentando o Teatro Municipal. Ele era reconhecido por sua cultura e com isso circulava à vontade entre pessoas influentes da Corte, o que lhe valeu para conseguir uma indicação para o curso de pós-graduação em medicina em Paris, em 1891.

Em Paris ele apresentou à Sociedade Obstétrica da França uma invenção sua, o embriótico. A aprovação desse aparelho o tornou membro dessa importante sociedade francesa. E como discípulo de Pasteur, ele trouxe para a medicina brasileira alguns dos mais importantes ensinamentos de seu mestre, sobre o tratamento das moléstias causadas no organismo por bactérias, que à época eram a causa de inúmeras mortes no Brasil.

Quatro meses depois, voltando a Araxá ele conta à Josephina seu romance com a francesa. O seu sucesso não a encantou, decepcionada com a traição do marido, ela decidiu abandoná-lo, indo para a casa dos pais, em Goiás, com seus filhos João e Dulce e, ainda, grávida do terceiro filho. Essa era uma atitude rara naquele tempo, foi por isso que Pedro Ludovico Teixeira Álvares nasceu na casa da rua Atrás do Rosário no 5. Ele poderia ter sido carioca ou mineiro, mas foi um goiano da velha capital, da cidade de Goiás.

Nessa mesma casa ele passou os primeiros anos de sua vida, sempre cercado de muito carinho da mãe e dos parentes. Conviveu pouco com os avós, Pedro, de quem herdou o nome, e Sinhazinha, mas o bastante para se lembrar dos passeios que faziam na fazenda nos arredores de Goiás.

Sua infância foi como a de outras crianças de Vila Boa. Seus passeios preferidos eram os banhos no rio Vermelho no poço da Carioca. Era o local de lazer de quase todos os meninos, as águas eram puras porque estavam acima dos detritos lançados no rio pelas casas da cidade. As crianças brincavam nas ruas e nos imensos quintais das casas. Ele jogava bete e um pouco de futebol.

Muitos de seus amigos de infância se tornariam mais tarde seus auxiliares de governo. O mais chegado deles, o dileto primo e amigo muito querido Athanagildo França, além de ter sido seu companheiro na Revolução de 1930, era o único que tinha com ele a intimidade necessária para chamá-lo de Nhonhô, o apelido carinhoso que sua mãe lhe dera.

Em Goiás só havia escolas particulares. Dos seis aos dez anos ele estudou na escola mista da Mestra Nhola, segundo ele uma professora hábil, enérgica e cumpridora de seus deveres. Ela exigia que todos os alunos conjugassem os verbos sem errar; se errassem eram castigados com a palmatória, um instrumento feito de madeira, que pais e professores usavam para castigar, batendo-o na palma das mãos das crianças. Outra forma de castigo era colocá-las por trinta minutos a uma hora de joelhos no chão. Embora a escola fosse mista, meninos e meninas ficavam em salas separadas. Dizia Pedro Ludovico que a mestra era inflexível e brava com os meninos, mas bastante tolerante com as meninas.

Com dez anos, em 1902, Pedro foi matriculado no Liceu de Goiás. Seus colegas mais íntimos foram: Túlio Jaime, Odilon Amorim, Lambertina Póvoa, Benedito de Albuquerque Pereira, Idelfonso Gomes, Diógenes Pereira da Silva e Agenor Alves de Castro.

Suas matérias preferidas eram francês e matemática. Dizia ter aprendido a gostar desta última porque tivera dois excelentes professores, que sabiam explicar muito bem a matéria: Francisco Ferreira de Azeredo e Joaquim Craveiro.

Sua predileção pelo francês provavelmente decorria de seu gosto pela leitura, sendo que a literatura francesa o fascinava. Com doze anos já lia em francês e era no Gabinete Literário Goiano que pegava emprestado os livros franceses.

Seus professores de francês no Liceu Goiano foram: o suíço Henrique Péclat e o desembargador Augusto Ferreira Rios, um enérgico professor que exigia um perfeito conhecimento da conjugação dos verbos franceses. O professor Augusto era severo na avaliação dos alunos. No segundo ano, somente Pedro passou nas provas finais com a nota seis, a maior da sala.

Pedro Ludovico dizia que o ensino em Goiás era muito apertado, que se aprendia muito nas escolas, com excelentes professores. Para se ter uma ideia do nível e qualidade do ensino do Liceu de Goiás citamos alguns dos professores em 1904: desembargador Coriolano Augusto de Loyola, Manoel Sebastião Caiado, desembargador Luiz Gonzaga Jayme, dr. Vicente Miguel da Silva Abreu, professores de português; Sebastião Fleury Curado, Henrique Alfredo Péclat, Francisco Xavier de Almeida Júnior, de francês; Benedito Felix de Souza, Theodoro Oeckinghaus, Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, de inglês; Manoel Sebastião Caiado, desembargador Benedito Felix de Souza, Vicente Miguel da Silva Abreu, de latim; José Joaquim de Souza Júnior, Jerônimo Rodrigues de Moraes, Benedicto d ́Abbadia Mendonça, de matemática; desembargador Coriolano Augusto de Loyola, Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, José Joaquim de Souza Júnior, de geografia e história; Leopoldo Felix de Souza, Joviano Alves de Castro, Francisco Xavier de Almeida Júnior, de química, física e história natural.

Todos eles integravam as bancas examinadoras diante das quais os alunos do Liceu Goiano eram sabatinados para poder ingressar no colégio. Em suas memórias, Pedro Ludovico conta com orgulho que nesse exame conheceu a primeira vitória de sua vida ao receber a nota dez na prova de Francês. Ele elegeu esse episódio como o mais importante de sua infância. Outro fato curioso que ele destacava foi ter sido escolhido monitor de matemática da sua turma pelo professor Sebastião Ferreira Rios.

Pedro Ludovico formou-se no curso secundário em novembro de 1909, então com dezoito anos, completados em 23 de outubro. Ele dizia que fora mau aluno em desenho e geografia, talvez por não ter alcançado as melhores notas como fizera nas outras matérias. Tirou a nota mais alta em francês entre os colegas. Suas notas foram: nove em latim, inglês, grego e alemão, física e química; dez em história do Brasil, lógica, literatura e história natural. Isso lhe valeu um eloquente e inesquecível elogio de seu colega e amigo Benedito Albuquerque Pereira: “Pierre, est le plus savant et le plus brave de nos collègues.” (Pedro é o mais sábio e o mais corajoso de nossos colegas). Por isso ele foi escolhido o orador da turma. Ele conta que passou quinze dias escrevendo o primeiro discurso de sua vida para o grande evento, a sua formatura. Temia não agradar aos colegas, dava-lhe insegurança ter de se apresentar publicamente para tantas pessoas. Estas foram as palavras com que iniciou seu discurso: “Musgo rasteiro na senda da vida. Palinuro inseguro ao me exprimir, estou receoso de não agradar”. Agradou tanto que recebeu um demorado aplauso dos presentes.

Pedro Ludovico, que cumpria suas obrigações com responsabilidade e excelência, sempre foi bom aluno. Desde cedo foi reconhecido como um líder, era sua vocação nata e, acima de tudo, fazia o possível para fazer jus aos incentivos de sua amada mãe, uma “mulher extraordinária, de pouco estudo, autodidata, culta, que gostava de ler e de recitar poesias” dizia ele.

Embora não se interessasse por política como ideal, tinha exemplos em casa: seu avô Pedro foi deputado estadual, seu tio Constâncio Ribeiro da Maya, foi presidente do estado em 1891 e outros parentes próximos ocuparam cargos políticos relevantes em Goiás.

Pedro focava sua vida nos estudos, embora participasse de todos eventos importantes da cidade. Em 1908, foi convidado por um professor para ir a uma festa de solidariedade ao presidente, no palácio Conde dos Arcos. Embora já tivesse dezesseis anos, ele não tinha o hábito de participar de cerimônias políticas.

Pedro guardou saudosas recordações do tempo de secundarista, em sua Goiás. Dizia: “Além do prazer experimentado com os estudos, distraía-me em Goiás admirando as belezas de seus arredores, caçando, pescando e contemplando os fenômenos da natureza. Sentia-me feliz quando me encontrava nos campos ouvindo o gorjear do sabiá, do pássaro preto, do joão-de-barro, o palrar dos periquitos, o gazear das andorinhas que habitam em todas as regiões do Brasil. É tão agradável sentir e ouvir a natureza, observá-la nas suas filigranas, no seu esplendor, nos seus mistérios”.

Em 1909, quando terminou o curso secundário, ele se viu diante de uma encruzilhada porque em Goiás não havia curso superior: era preciso ir para o Rio de Janeiro ou São Paulo e sua mãe não tinha condições financeiras para bancar a viagem, muito menos para sustentá-lo em outra cidade. Eles viviam modestamente na rua da Abadia no 17, tendo apenas o suficiente para uma vida boa e modesta. Josephina costurava para homens e mulheres, contudo não podia cobrar caro porque as pessoas não poderiam pagar.

Pedro Ludovico Teixeira não tinha muitas referências masculinas na família, pois Josephina perdeu os três irmãos muito cedo, ele não conheceu nenhum dos tios militares: Ildefonso Ludovico D`Almeida estava na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, quando faleceu em abril de 1876, ano em que ela conheceu o marido. Pedro Ludovico D ́Almeida Júnior, era 1o alferes do Exército quando faleceu em Santa Catarina, em março de 1882 e Guilherme Ludovico D ́Almeida era tenente quando faleceu no Rio de Janeiro em 1891, ano em que Pedro nasceu. Na infância e adolescência, ele também não conviveu com os tios paternos e com o pai, só depois de adulto, quando já estava na política.

Para ele a sua mãe era extraordinária. Criou os filhos sem recorrer ao ex-marido, embora tivesse tido uma vida suntuosa no Rio de Janeiro e em Araxá, na qual poderia ter continuado se ainda estivesse casada. Entretanto nunca se arrependeu da decisão de deixar o marido e não voltou atrás, nem quando recebeu uma carta dele, logo depois da separação, prometendo-lhe o título de viscondessa caso voltasse a viver com ele no Rio de Janeiro, condição sine qua non para que fosse nomeado visconde. Ela devolveu a carta, escrevendo no topo desta: “Não me interessa ser viscondessa”. Ele, como monarquista, sabia que o fim do Império no Brasil estava próximo e aquela era sua última chance de receber um título de nobreza. Pouco depois a família imperial deixou o Brasil, instalou-se a República e a Constituição de 1891 foi promulgada.

Dr. João era um homem muito culto, rico, reconhecido por sua educação esmerada e competência profissional. Era respeitado na corte, em Minas Gerais em Goiás e até na França, mas era rancoroso e não mantinha boas relações com os filhos. Em uma ocasião seu filho João Júnior, que estudava interno num colégio religioso na Bahia, escrevendo aos pais, trocou as cartas ao colocá-las dentro dos envelopes. Ao ler a carta endereçada à sua ex-mulher, mãe de seus três filhos, o pai ficou furioso e mandou que João Júnior voltasse imediatamente para Goiás, pois não iria sustentá- lo mais, obrigando assim o filho a ficar um ano sem estudar.

Posteriormente, um padre parente da família de Josephina, pagou os estudos de João Júnior, muito embora João Teixeira Álvares fosse um homem rico, proprietário do jornal Gazeta de Araxá e do Sanatório de Araxá, um hospital destinado a explorar as águas medicinais localizadas em sua Fazenda Barreiro. Em Uberaba ele possuía um outro hospital, a Casa de Saúde Nossa Senhora de Lourdes, e a revista católica Jesus Cristo. Apesar de sua fortuna ele se desobrigou de sustentar os filhos que teve com Josephina. Até o reconhecimento da paternidade de Pedro Ludovico foi resultado de uma decisão judicial ocorrida em 1910, quando Pedro já tinha 18 anos.

Ressentido com o pai, quando entrou na política Pedro retirou o sobrenome Álvares de seu nome, passando a assinar Pedro Ludovico Teixeira. Tornou-se conhecido por Pedro Ludovico, sobrenome da mãe, do qual muito se orgulhava.

Em março de 1910, Pedro e seu primo Ildefonso Gomes de Almeida, auxiliados pela irmã de sua mãe, Antônia Ludovico de Almeida Coelho, que lhes dera 400 mil réis, seguiram para o Rio de Janeiro.

A primeira etapa da viagem, de Goiás até Araguari era feita a cavalo: oito dias cavalgando debaixo de sol forte ou de chuva. Em Araguari pegava-se o trem para o Rio de Janeiro: mais quatro dias. Era uma jornada cansativa. Como passaria por Uberaba, a mãe pediu a Pedro Ludovico que fosse à casa do pai, João Teixeira Álvares. Foi seu primeiro e único contato com ele, pois ao vê-lo no corredor de entrada da casa, o pai não dirigiu uma palavra de boas-vindas ao filho que nunca tinha visto. Disse apenas, com ar de desdém: “Eu sabia que sua mãe o mandaria me procurar quando precisasse de dinheiro”. Sentindo- se ofendido com aquelas palavras desrespeitosas em relação à sua amada e dedicada mãe, Pedro virou as costas. Foi embora e nunca mais procurou o pai. Entretanto, quando o pai adoeceu, por volta de 1936, seus irmãos por parte de pai pediram que ele ajudasse no tratamento de saúde dele, Pedro assim fez, sob a condição de que o pai não soubesse da sua ajuda. João Teixeira Álvares morreu sem saber que Pedro era o filho que o ajudava.

Ao se despedir da mãe, Pedro lhe disse: “Vou para o Rio de Janeiro, e mesmo que tenha de passar por muitas dificuldades, só voltarei aqui depois de formado”.

Ao chegar à cidade maravilhosa, então a capital do Brasil, nessa época com cerca de um milhão de habitantes, ele ficou maravilhado. Viu o mar pela primeira vez e, como interiorano, achou tudo na cidade muito moderno. O que mais o encantou foi a elegância dos jovens e dos intelectuais que via na Confeitaria Colombo, famoso local de encontros, frequentado por lindas mulheres, artistas, escritores e poetas como Olavo Bilac, Emílio Menezes, Lima Barreto, Ataulfo de Paiva e o pintor Leopoldo Gotuzzo.

Ele se matriculou no curso de Engenharia da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, um curso pesado, com aulas que se estendiam pelo dia inteiro, impedindo-o de trabalhar. Apenas uma semana depois desligou-se do curso.
O irmão João Júnior, que já estudava medicina no Rio de Janeiro, conseguiu através de um amigo uma vaga para Pedro Ludovico na Faculdade de Medicina da praia de Santa Luzia, hoje Praia Vermelha, um curso mais flexível que permitia aos alunos trabalhar e estudar, embora não fosse moleza, pois os professores, do naipe de Miguel Couto, Paes Leme e Miguel Pereira, eram exigentes.

Pedro e seu irmão João, que já era casado e trabalhava para sustentar a família, se formaram praticamente juntos, tornando-se médicos como o pai. Pedro achava que não tinha sido bom estudante como fora no curso secundário, embora tivesse tido o privilégio de ser aluno de bons professores. Ele foi colega dos goianos Odilon Amorim, Ildefonso Gomes de Almeida, Agenor Alves de Castro e Antônio Mendonça.

Pedro Ludovico morou com o irmão João e a cunhada Maria Ida por algum tempo, depois mudou- se para uma pensão na rua Riachuelo, no centro do Rio, onde moravam outros goianos: os irmãos Edilberto, Alfeu e Francisco da Veiga Jardim; Ranulfo da Veiga Jardim; Constâncio Gomes, Antônio Rizzo; Justo de Oliveira e Benedito Neto Velasco.

Para pagar seus estudos ele deu aulas particulares de português e francês. Um dia procurou o marechal Braz Abrantes para lhe pedir um emprego. Vendo a aflição do jovem Pedro Ludovico, o marechal passou a ajudá-lo.
Depois de formado e já bem estabelecido, Pedro Ludovico procurou seu benfeitor para pagar a quantia que ele lhe emprestara durante seis anos. Braz Abrantes se recusou receber o dinheiro, com as palavras: “Quando o vi em minha casa dizendo que queria estudar, senti que estava diante de mim um homem de valor e por isso resolvi ajudá-lo. Sabia que a semente que se lançasse naquela terra daria excelentes frutos. Tenho a satisfação de ver que não me enganei”.

No sexto ano defendeu sua tese sobre histeria coletiva. Ele se interessava pela área de neurologia, mas depois de frequentar um hospital psiquiátrico na Praia Vermelha concluiu que com essa especialidade não poderia viver da medicina em Goiás e passou a se dedicar à clínica geral.

Em março de 1916, depois de formado, voltou para Goiás, onde ficou apenas dois meses. O então presidente do estado Eugênio Jardim, parente de sua mãe, ofereceu-lhe um emprego, mas ele não o aceitou por julgar que este não correspondia às suas aspirações.

Da cidade de Goiás foi para Bela Vista onde montou seu primeiro consultório. Ficou por pouco tempo: como a cidade era pobre, ele quase não podia cobrar dos pacientes e era forçado a praticar uma medicina socialista. Como estava iniciando a sua vida, precisava se estabelecer financeiramente, por isso procurou escolher uma cidade mais rica, de preferência que não tivesse nenhum médico. Acabou se decidindo por ir para Jataí, situada na região sudeste, a mais rica do estado, onde já clinicava seu irmão João Júnior. Antes de se mudar, porém, foi festejar a romaria do Divino Pai Eterno, em Trindade. Atendendo doentes durante os trinta dias que ali passou, conseguiu amealhar uma quantia razoável, que lhe permitiu se instalar em Jataí e montar uma farmácia em Rio Verde, cidade vizinha, onde também atendia alguns doentes.

Por várias vezes Pedro Ludovico andava léguas a cavalo para fazer um atendimento em fazendas distantes e, quando o caso era grave, passava até dez dias acompanhando o restabelecimento do paciente. No início da carreira, chegou a andar até 60 km a cavalo para atender a um chamado, porque o paciente, já estando em estado grave, não podia ser deslocado em maca ou rede, como então se fazia, até a cidade.

Enquanto fazia esses atendimentos, Pedro permanecia nas casas como hóspede. À noite violeiros iam à casa do doente para tocar músicas para ele. As noites com serenatas eram comuns, embora no quarto ao lado estivesse um doente.

Esse contato foi muito importante para sua ascensão política, mesmo que ainda não lhe passasse pela cabeça enveredar para esse rumo. Ele era um bom médico, humanitário, atencioso, conversava com todo mundo. Praticava uma medicina assistencialista, porque cobrava dos ricos sem exagerar nos preços e atendia os pobres de graça.

Sua decisão de entrar na política foi motivada pelos excessos cometidos pelo grupo que se eternizava no poder e muito pela maneira como eram conduzidas as eleições: o eleitor recebia a cédula já fechada, devendo apenas colocá-la na urna, coisa que ele não aceitava. Em 1927 um grupo de pessoas indignadas como ele votou em cartório como forma de protesto, embora esse voto não tivesse nenhum valor…

O maior foco de resistência contra essa política ficava na região sudeste. Como os situacionistas andavam sempre armados, era comum que todos os demais também o fizessem. Pedro Ludovico cita Narcisa Leão, uma mulher residente em Rio Verde que era uma líder extraordinária. Em época de eleição ela trazia de sua fazenda e fazenda vizinhas, cerca de trezentas pessoas para votar em cartório; vinham todas armadas pois se não o fizessem correriam risco de vida ou seriam surradas e presas. Andar armado era uma coisa normal, uma defesa.

Em 1918, um ano depois de se instalar em Rio Verde, Pedro Ludovico conheceu uma jovem bonita, culta, recém-formada no colégio de freiras de Franca, São Paulo: Gercina Leão Borges, nascida em 1900, em Rio Verde, filha do importante líder do sudoeste, o senador estadual Antônio Martins Borges e de Maria da Conceição Leão Borges, tradicionais famílias de pioneiros e políticos de Rio Verde.

Em Rio Verde, como no resto do estado, não existiam escolas. O futuro sogro de Pedro Ludovico era um homem progressista, o avô materno de Gercina, Modesto Silveira Leão, era senador estadual além de rico fazendeiro. A família dela tinha uma visão política moderna, tanto assim que naquela que era a região mais rica do estado contava com o apoio dos parentes influentes politicamente e muito ricos que moravam em Minas Gerais.

O namoro foi rápido. Gercina e Pedro se casaram e foram morar em Jataí, onde ficaram seis meses. Eram dois municípios ricos, embora neles houvesse muito banditismo como em todo o estado, razão pela qual os homens andavam armados. Pedro Ludovico contava que de cada cinco pacientes homens que atendia, três tinham sido feridos a bala ou facada.

Por ser médico, ele conhecia quase todos moradores de Rio Verde e de Jataí, tornando-se um líder respeitado na região.

Em 1919, voltou a morar em Rio Verde para participar e dirigir a Companhia Auto Viação Sul Goyana, uma empresa particular de construção de estradas de rodagem em Goiás, composta por diversos acionistas, a grande maioria deles parentes do senador Antônio Martins Borges, o principal acionista.

Essa organização, montada por Ronan Borges, contratou o engenheiro Morbeck para construir o trecho de Uberabinha a Rio das Garças, com cerca de 1.110 quilômetros, passando por Monte Alegre, Santa Rita do Paranaíba, Itumbiara, Rio Verde, Jataí, Mineiros, Santa Rita do Araguaia a Rio das Garças. Graças a essas estradas tornou-se possível ir de carro de Goiás até São Paulo. Goiás não se desenvolvia. A única exceção era a região sudoeste, sob a tutela da iniciativa privada. A maioria dos municípios e a capital não possuíam energia elétrica, água encanada e tampouco saneamento. A educação ficara paralisada no tempo: havia pouquíssimos estabelecimentos de ensino, a maioria da iniciativa privada. A insatisfação era crescente, mas fazer oposição ao governo era arriscado.

Pedro Ludovico, exercendo a sua profissão de médico, ocupou cargos importantes. Em 1921 foi nomeado pelo presidente do estado o segundo suplente de juiz municipal de Rio Verde, cargo que quase ninguém queria ocupar com medo de retaliações. Nesse ano ele se candidatou a deputado federal e obteve 369 votos. Não assumiu porque havia apenas quatro vagas e ele foi o sexto mais votado no estado.

Durante alguns anos Pedro Ludovico só pensava em ser médico, mas sentia-se na obrigação de lutar pelo desenvolvimento do seu estado, que era o penúltimo do país em desenvolvimento. Saltava aos olhos que o atraso na administração pública impedia o progresso da região. Assim, em 1925, ele fundou com Ricardo Campos, Almeida Barros, Athanagildo França e Teodulo Emrich o jornal O Sudoeste, o primeiro do estado, com o objetivo de criticar os erros da política administrativa goiana, cujos principais cargos eram ocupados por uma familiocracia.

Antes de se aliar aos companheiros para fazer o jornal, Pedro Ludovico consultou seu sogro, o senador estadual Totonho Borges, dizendo: “Olha, meu sogro, ou eu vou-me embora daqui de Rio Verde para outro estado ou então vou lutar contra os Caiados”. Ele, embora fosse um caiadista, respondeu: “Você lute”. Já não estava muito satisfeito com a situação e acabou rompendo com o governo, o que não era fácil no município, pois todos sabiam que quem rompia sofria retaliações. A política era dura naquela época. O sogro nunca fez objeção à atitude de Pedro Ludovico, sempre lhe deu força moral, e seus irmãos, que moravam em Uberaba, também lhe davam garantias de certa forma.

Logo em seguida Antônio Martins Borges se desligou do grupo caiadista, o que deixou o governo preocupado porque ele chefiava o mais rico grupo oposicionista. Isso gerou acirradas críticas a ele, respondidas por Pedro Ludovico desta maneira: “A suposição de ter sido eu o causador do rompimento é falsa, porquanto o senhor Martins Borges é homem que não se deixa influenciar e, muito menos, dominar por pessoa alguma em questão de princípios”.

Depois do rompimento do sogro com o grupo mandante, Pedro Ludovico, acompanhado pelos amigos Ricardo Campos e Belarmino Cruvinel, foi a Goiás. Lá ele foi chamado à delegacia pelo chefe de polícia Arthur Jucá, que o fez esperar quatro horas para, finalmente, “aconselhá-lo” a não aderir à revolução, sugerindo que voltasse a exercer a sua profissão de médico. Ao sair da delegacia com os amigos, passou pela porta do palácio do governo; alguns policiais fizeram menção de atirar neles, mas, foram contidos pelo delegado.

É preciso esclarecer que o caiadismo não surgiu para combater Pedro Ludovico. Nasceu em 1904 para combater e derrubar o governo do jovem e dinâmico presidente do estado José Xavier de Almeida. Eleito democraticamente, ele foi deposto com a violência costumeira do grupo para que em seu lugar assumisse o cunhado do Caiado, Eugênio Jardim.

O surgimento em 1926 do grupo oposicionista do sudoeste liderado por Pedro Ludovico, com apoio de fazendeiros, comerciantes e pessoas que não suportavam mais o atraso de um estado que há anos estava nas mãos de um governo que usava práticas violentíssimas para sufocar qualquer movimento oposicionista, levou o governo a considerá-lo seu inimigo número um. Mas isso não desanimou o grupo, nem mesmo quando prenderam Pedro e seus amigos e instauraram inquéritos contra eles. No grupo estavam Moisés Costa Gomes, Oscar Sabino e muitos outros homens que, insatisfeitos, empreenderam a mais ferrenha luta contra as arbitrariedades do governo. A região sudoeste se tornou a maior opositora aos Caiados.

Próximo às eleições, em janeiro de 1929, o presidente do estado, Brasil Caiado mandou para Rio Verde mais de cinquenta soldados chefiados por um delegado chamado Erkonvaldo de Barros, conhecido por suas crueldades e truculência no trato com as pessoas, um bandido. Logo que chegou à cidade ele começou a cometer arbitrariedades, espancando as pessoas, prendendo sem motivos. Dias depois chamou Pedro Ludovico e seu sogro, o senador Antônio Martins Borges, antigo vice-presidente do estado, para uma conversa no Hotel Sul Goyano. Lá eles foram convidados a entrar no automóvel do dito delegado, que os levou para a cadeia para prestar um depoimento. Sem escrivão, sem nenhuma formalidade legal, ele os prendeu, assim como mais catorze amigos de Pedro Ludovico, deixando-os incomunicáveis.

No jornal A Voz do Povo de Goiás a notícia da prisão repercutiu como incentivo ao combate ao governo: “O senador estadual Antônio Martins Borges, cidadão de alto conceito e de assinalados serviços prestados ao estado, do qual foi vice-presidente, foi preso estúpida e injustamente, com seu genro dr. Pedro Ludovico Teixeira, médico de grande conceito e estima, e conservados incomunicáveis durante alguns dias. Somente conseguiu a sua liberdade e a do seu genro mediante habeas corpus, porém o advogado que lhe prestou esse serviço foi espancado e preso. Nenhum outro fato mais precisa ser indicado para se ter uma ideia precisa dos horrores de que todos os outros se revestiram. Nenhuma garantia há mais naquelas cidades. As famílias, horrorizadas, permanecem num constrangimento digno de dó, continuam os saques de mercadorias das lojas, praticados por soldados do senador Caiado e são extorquidas quantias em dinheiro por meio de violência e de espancamentos”.

Os irmãos do sogro de Pedro Ludovico, que moravam em Uberaba, políticos influentes em Minas Gerais, encaminharam ao governo do estado um telegrama dizendo que seriam responsabilizados caso algo acontecesse aos parentes.

O advogado que requereu o habeas corpus para os presos em Rio Verde e foi espancado e preso, numa truculência arbitrária, era Urbano Berquó. Depois de se negar a cumprir a lei, o delegado Barros se dirigiu a Pedro Ludovico dizendo que tinha ordens negras contra ele, que seria melhor se ele andasse direito. Pedro Ludovico respondeu: “Dr. Barros, vou lhe dizer uma coisa: eu já ouvi que o senhor bateu no meu advogado; já soube que ele está preso aí. Eu ouvi daqui o barulho. O senhor, naturalmente, espancou meu advogado”. Ele confirmou, xingou e chamou Pedro Ludovico de audacioso, mas não lhe encostou a mão, pois Pedro o ameaçara dizendo que se ele ousasse tocar nele como fizera com o seu advogado, ele o mataria, não ali na prisão, mas em qualquer lugar em que o encontrasse depois. O delegado estava totalmente embriagado.

Todos ficaram mais quatro dias presos. O delegado foi para Jataí e lá agiu como era seu costume: prendeu os fazendeiros mais importantes das famílias Carvalho e Vilela. Depois de quatro dias, Barros voltou à prisão para atender a outro advogado que havia requerido novo habeas corpus, que fora concedido pelo Juiz de Direito da Comarca, mas, ao invés de libertar o preso, mais uma vez desrespeitou a ordem, e ainda saiu da prisão levando para lugar ignorado a maioria dos presos no intuito de conseguir confissões que incriminassem Pedro e o sogro. Os presos só foram soltos por ordem do presidente do estado, Brasil Caiado, que ordenou que todos fossem libertados.

Em liberdade Pedro Ludovico redigiu um texto e publicou no jornal a Voz do Povo de Goiás, de cuja redação participava como colaborador: “Saibam os Srs. Brasil e Totó Caiado que o povo, mormente dessa região, está farto de sofrer, e que as violências que se nos tem feito cada vez mais nos encorajam, nos fortificam, nos enfibram, sendo daqueles que só miram no espelho do brio e da fraqueza, ainda que tombemos sob o bacamarte assassino dos seus valentes correligionários, cujo desprestígio se patenteia frequentemente aos olhos do governo, que continuamente aborrecem com pedidos de força, único elemento com que se mantêm”…

Pedro Ludovico acompanhava o desenrolar da política nacional e as ações dos grupos revolucionários por todo o Brasil. Seu contato era através do Athanagildo França. Ele se encontrou somente uma vez com Siqueira Campos. Sua luta era por um ideal democrático e embora admirasse a Coluna Prestes, sabia que ela era formada por elementos de todos os tipos, por isso, quando a coluna estava próxima de Rio Verde, ele pediu ao amigo Athanagildo França, que a integrava, que a impedisse de entrar na cidade pois isso ameaçaria a segurança dos cidadãos, e assim foi feito.

Em seu carro Pedro foi para Minas Gerais buscar alguns homens para aderir à revolução. Como Itumbiara, na fronteira, estava cercada pelos situacionistas, ele deixou seu automóvel na fazenda de Tancredo Rodrigues da Cunha e seguiu a cavalo, com ajuda de um guia até Ituitaba, Minas Gerais. Ali pegou uma carona para Uberlândia com o intuito de se encontrar com seu concunhado, o médico Diógenes Magalhães, também um revolucionário, que já tinha convocado alguns homens habituados à luta armada.

No dia seguinte Pedro e o grupo partiram para Santa Vitória, às margens do Rio Paranaíba, parando para pernoitar na fazenda de Oscar Bernardes, onde mais oitenta homens se juntaram a eles. Dentre eles Jonas Mun e o enfermeiro Otto, ambos europeus, que tinham lutado na guerra mundial de 1914. Jonas se tornou o motorista de Pedro, ao qual sempre foi muito dedicado.

Ao contrário do que se conta sobre a violência e truculência de Pedro Ludovico, alguns acontecimentos provam a sua generosidade e complacência com o inimigo. Num tiroteio o grupo revolucionário feriu dois soldados do governo, Pedro Ludovico pôs os inimigos em seu carro e lhes deu assistência, temendo que sofressem alguma violência pior da parte dos revolucionários. Os outros inimigos com ferimentos leves ele colocou num caminhão e mandou levar para Quirinópolis e nada lhes aconteceu. Raramente se vê uma ação generosa assim em conflitos, somente uma pessoa como Pedro Ludovico agiria assim. E foi ele como médico que cuidou dos ferimentos mais graves de todos, inimigos ou companheiros de luta. Depois desse tiroteio com os soldados do governo ele seguiu para Rio Verde, mas só lhe restavam setenta homens, porque dos 110 homens que havia reunido, quarenta haviam desertado.

Ao chegarem a Rio Verde na madrugada, foram surpreendidos pelas forças governistas, muito bem armadas, com intensa fuzilaria. Pedro Ludovico e seu pessoal recuaram, pois muitos estavam doentes, com disenteria, e tinham pouquíssima munição, não tendo a menor possibilidade de enfrentar os policiais. As poucas armas que Pedro Ludovico tinha conseguido eram alguns fuzis doados por seu amigo Carvalhinho, os quais tinham ficado escondidos durante um tempo, enterrados, na fazenda de Narcisa Leão e de Laudelino Nogueira, e algumas carabinas Winchester, que podiam ser compradas.

Pedro se afastou o que pôde do local da batalha, muito cansado, mas não conseguiu chegar até o carro. Todos estavam desidratados, ele então dormiu embaixo de uma árvore, sendo descoberto ao amanhecer por um menino, que avisou na cidade que havia um homem morto no campo. Foi cercado por vinte homens que atiraram nas moitas, até porque alguns deles eram conhecidos de Pedro Ludovico e não o machucariam, eles tinham sido obrigados a lutar contra os revolucionários. Ele foi levado preso pelo tenente Catulino Viegas à pior cela da prisão de Rio Verde. Foi tratado com delicadeza pelos que o vigiavam, mas a ordem era para que não o deixassem sair da cela para nada, nem para tomar banho. Não podia ler jornais, nem receber visitas, estava incomunicável. Ele era um médico estimado em Rio Verde e todos gostavam dele, com exceção dos que tinham vindo de Goiás com ordens do delegado bêbado para agir com crueldade.

Nessa época Pedro Ludovico e Gercina já tinham três filhos, Mauro, Lívia e Pedro Júnior. Embora ela fosse uma senhora muito jovem ainda, com menos de trinta anos, sempre apoiava o marido, era corajosa e companheira. Quando foi necessário ela enfrentou quem se atreveu a importuná-los com muita coragem. Esse delegado foi à sua casa saber se Pedro Ludovico estava lá; ele estava, mas Gercina o enfrentou dizendo que ele só entraria na casa com ordens do Juiz. O delegado a desafiou e ela respondeu: “Só entra aqui na nossa casa por cima do meu cadáver”. Só restou ao delegado ir embora com seus soldados. Gercina apoiava Pedro o médico, o político e, principalmente, a sua participação para mudar a política do estado.

Quando ele partiu para Minas Gerais atrás de homens armados para a luta, Gercina percebeu a vulnerabilidade de sua família. Ela e os filhos corriam risco de serem capturados como reféns e atrapalharem os planos de seu marido. Diante disso ela decidiu ir com as crianças para Uberaba, para a casa de parentes do pai.

A casa de Rio Verde era vigiada dia e noite, queriam prender Pedro a qualquer custo, Gercina, ajudada por parentes, saiu de casa com as crianças de madrugada. Andaram quase uma légua a pé, até encontrar um caminhão que os conduziu a Uberaba. Lá ficaram até depois da vitória da Revolução, indo direto para o Palácio Conde dos Arcos, quando Pedro já era interventor, nomeado por Getúlio Vargas em 1930.

Pedro Ludovico sempre delegou a Gercina várias decisões, ele sabia que ela tomaria a iniciativa de se defender. Nesse episódio, contudo, ele só tomou conhecimento de que sua família estava protegida em Uberaba depois que chegou à cidade de Goiás, porque depois de preso ficou incomunicável durante por 14 dias.

No dia 23, pela madrugada, quando era embarcado preso para a Capital, ele soube da vitória da Revolução em Minas Gerais, no Sul e no Nordeste. Mas, apesar de esperançoso, sabia que não deveria se descuidar.

Pedro era um líder indesejável para o governo. Ele teve medo de ser assassinado durante a viagem, mas, seu temor diminuiu ao encontrar seu condutor o Dr. Zaqueu Crispim, um advogado honrado, que se dirigiu a ele dizendo: “Sinto muito prazer em conduzir um homem digno como o senhor.” Ele se surpreendeu ao ver que seu amigo Ricardo Campos, também estava sendo levado como prisioneiro para Goiás, só que no carro de César Bastos, com outros dois homens armados com fuzis e revólver.

Em Cachoeira da Fumaça, perto de Inhumas, um carro, vindo de Goiás, veio se encontrar com eles com quatro soldados da Polícia Militar informando que a revolução já era vitoriosa e que deveriam libertar aos presos. César Bastos, chamou Zaqueu para uma conversa longe dos presos e quando voltou disse a Pedro que eles podiam ir embora. Pedro Ludovico disse que só seguiria viagem se tivesse dois fuzis e duzentas balas, pois estavam no meio do mato e sem nenhuma condução. Ele percebeu, como Ricardo Campos, que aquilo era uma armadilha. Nessa hora Zaqueu Crispim agiu corretamente: não só discordou de César Bastos, como desarmou os quatro soldados e garantiu a segurança dos presos. Foram dormir em uma fazenda próxima, de propriedade de Artur da Cunha Bastos, vigiados por um soldado de confiança dele.

No dia seguinte, a dezoito quilômetros de Goiás, encontraram outro carro com três pessoas. Uma delas, Cristovam Campos, cunhado de Zaqueu, informou-lhes que a revolução estava triunfante em Goiás também. De preso, Pedro Ludovico passou a ser o comandante: convidou a todos para o acompanharem até Goiás. César Bastos e seus soldados, porém, com receio de retaliações da parte dos vitoriosos, não quiseram ir para Goiás.

Zaqueu Crispim acompanhou Pedro e Ricardo, convidando-os para conhecer o vice-presidente Humberto Martins, o único que estava na cidade; o presidente do estado, Alfredo de Moraes estava em Morrinhos e os demais integrantes do governo já tinham deixado a cidade.

Pedro Ludovico foi para a casa de sua mãe, Josephina, na rua da Abadia, onde vários amigos o esperavam para narrar os acontecimentos. Foi descansar por duas horas. Como estava desarmado, pediu ao sobrinho João Teixeira Álvares Neto, que morava com sua mãe, que lhe comprasse uma arma e munição na casa da Sureia Samahá. Armado, seguiu com o sobrinho e com o João Péclat para o telégrafo, onde ainda estavam vários elementos do antigo governo dando ordens ao telegrafista. Pedro Ludovico disse ao diretor dos Correios que daquele momento em diante quem dava as ordens era ele, pedindo que todos se retiraram dali. Entrou em contato com senador mineiro Camilo Chaves, chefe revolucionário do Triângulo Mineiro, que lhe ofereceu oitocentos homens armados, mas, Pedro Ludovico respondeu que duzentos lhe bastariam porque a cidade estava tranquila.

Horas depois, contudo, dispensou toda a ajuda: chegou a Goiás a coluna de Arthur Bernades, chefiada por Carlos Pinheiro Chagas e Quintino Vargas. Entre os revolucionários estavam Joaquim Câmara Filho, Ciro Reverbel de Araújo Góis e Armando Storni.

Nesse mesmo dia, Pedro tomou o palácio do governo com mais nove homens, mas já não havia ninguém ali, o palácio estava isolado. Logo chegou o médico mineiro Pinheiro Chagas, muito inteligente e grande orador, que tratou de fazer um discurso, em frente ao Palácio Conde dos Arcos. Entre outras coisas, disse que a capital do Estado não poderia continuar sendo ali — ele tivera péssima impressão da capital do estado. Claro que com isso desagradou a alguns dos presentes, mas esse era o mesmo pensamento de Pedro Ludovico.

O Estado Maior da Revolução decidiu que em cada unidade da federação seria nomeada uma junta governativa, e para Goiás foram nomeados Pedro Ludovico, o desembargador Emílio Póvoa e o juiz de direito da capital, Mário de Alencastro Caiado.

Na posse, Pedro Ludovico quis ceder a cadeira principal ao desembargador Emílio Póvoa, mas Pinheiro Chagas mandou que ele ocupasse a cadeira principal, já estava decidido a preferência de Pinheiro Chagas por Pedro Ludovico em reconhecimento aos seus dias de luta. Doze dias depois Pedro foi nomeado por Getúlio Vargas interventor federal do estado de Goiás.

A vida do médico Pedro Ludovico mudou radicalmente: a partir de 1930 ele se tornou essencialmente um político. Sua postura na vida se transformou: de contestador ele passou a ser chefe de um estado.

Para surpresa sua, muitos aderiram ao seu governo. Pedro Ludovico nomeou todo o seu secretariado com base na luta dos homens contra a oligarquia e a velha política que imperava no estado, dando preferência aos jovens políticos de ideias novas e aos autênticos defensores da democracia com competência para exercer o cargo.

Pedro Ludovico passou a fazer parte do corpo de redação do jornal A Voz do Povo do senador Mário de Alencastro Caiado e nomeou muitos jovens como auxiliares de seu governo, todos com pouco mais de vinte anos: Benedicto Silva, Estelita Campos, Paulo Fleury da Silva e Souza, Benedito da Silva Albuquerque, Colemar Natal e Silva, Claro Godoi, Albatênio Godoi, José Honorato da Silva e Souza. Eles eram apreciadores do regime socialista, sem contudo serem comunistas, pois as arbitrariedades cometidas nos governos desse regime já eram conhecidas.

Foram seus auxiliares políticos e na área administrativa os senadores Mario Caiado, Nero Macedo e o deputado José Honorato e tantos outros citados em seu livro de memórias: os juízes de direito da Comarca da Capital Mário Caiado e Jarbas Caiado de Castro; os desembargadores Vicente Miguel da Silva Abreu, Maurílio Fleury, João Francisco Godoi e Antônio Perillo; o procurador regional da república Augusto Jungmann e o jurista Ignácio Bento de Loyola, considerado por Pedro Ludovico um dos melhores auxiliares de seu governo, quer como secretário geral, quer em outras funções que exerceu, tendo sido um dos esforçados combatentes para a queda dos governo deposto pela Revolução, sempre intransigente nos seus pontos de vista, principalmente, contra o autoritarismo.

Pedro Ludovico escolheu seus auxiliares enaltecendo a capacidade intelectual de cada um, escolhendo também os que tinham combatido o coronelismo, priorizando a modernização administrativa do estado, que estava economicamente estagnado.

Costumam dizer que Pedro Ludovico nomeou parentes para seu governo, porém em mais de trinta anos de governo, somente seu filho Mauro Borges foi eleito governador em 1961, porque tinha capacidade e estava preparado para exercer o cargo, tanto que seu plano MB de governo é comentado até hoje e muita coisa ainda permanece como exemplo na área administrativa do governo de Goiás.

Embora seus auxiliares tenham sido os promotores do desenvolvimento do estado de Goiás, não só pela mudança da capital para Goiânia, mas por promoverem a sua querida cidade, a Velha Goiás, a primeira Capital, o início da província, existe algo curioso no tratamento dado aos que auxiliaram Pedro Ludovico, nessa empreitada: embora alguns sejam filhos da cidade de Goiás, não lhe foi feita nenhuma homenagem, e ainda hoje culpam a mudança da capital pelas falhas que persistiram na administração municipal, aliás, sempre exercida por aqueles que foram contra a mudança, os que faziam oposição a Pedro Ludovico.

Construíram histórias que favoreciam uns poucos e denegriam o melhor grupo de jovens que a cidade já produziu. Eles desenvolveram o estado de Goiás e ao deixar a cidade, continuaram promovendo a sua querida Vila Boa, nunca a abandonaram, respeitaram os seus casarios, seus costumes, sua cultura, suas tradições, suas crenças. São eles e seus filhos que enaltecem a terra amada de seus pais, cantam as Noites Goianas, o rio Vermelho, o adorável Bacalhau, o poço do Bispo, da Carioca, a Bagagem, a serra Dourada, o pastelinho, o limãozinho com doce de leite, o empadão de Goiás, a pamonha daqui é a melhor, assim como é melhor o pequi daqui. São eles e seus descendentes que lotam a cidade para comemorar a Semana Santa, a festa do Rosário, a festa do Divino, a festa de São Benedito, de Santa Luzia, as procissões. Ainda são eles que enaltecem Regina Lacerda, Eli Camargo, Goiandira do Couto, Cora Coralina e tantos outros personagens que vivem na memória dos goianos de Goiás. Ah, os casarios só têm vida porque seus descendentes os conservam, seja em família ou porque as compraram de volta, embora, sem nenhum incentivo.

Pedro Ludovico viveu em Goiás, sua família é de Goiás, até isso quiseram mentir, dizendo por uns tempos que ele era de Rio Verde. A sua família descende de Bartolomeu Bueno. O córrego Pedro Ludovico, que nasce na fazenda do seu avô, abastece a cidade de água, até hoje. Na cidade de Goiás fizeram a “gentileza” de desinformar até a casa em que ele nasceu, colocando uma placa que a identificativa na casa errada, não por falta de documentos que assim informassem, pois no início de seu livro de memórias ele diz claramente onde nasceu. O “engano” foi corrigido em 2016 por seu neto Ubiratan Estivallet Teixeira.

Ter uma biografia de Pedro Ludovico num portal de memórias da cidade de Goiás, o enaltece, faz a justiça que lhe tem sido negada por tantos anos. Dá a ele um pouco do reconhecimento que normalmente se dá aos filhos ilustres de uma cidade, como Diamantina faz com Juscelino e São João Del Rei com Tancredo. Goiás não fez isso, nem por ele nem por outros filhos mudancistas. Este portal na internet, Memorial de Goiás, é o primeiro a lhe abrir esse espaço contando as verdadeiras histórias, que foram várias vezes manipuladas para dar a impressão de que ele não se importava com sua cidade natal, Goiás.

Aqui estão alguns dos colaboradores, vilaboenses ou não, de Pedro Ludovico: Celso Hermínio Teixeira, José Ludovico de almeida, Venerando de Freitas Borges, Vasco dos Reis Gonçalves, Inácio Bento de Loyola, José Honorato da silva e Souza, Colemar Natal e Silva, João Monteiro, Nero Macedo, Claro Godoi, Heitor Fleury, João Teixeira Álvares Júnior, Ernani Alves Ferreira, José Ferreira de Azevedo, Oscar Campos Júnior, Solon de Almeida, Elísio Taveira, João Licínio de Miranda, Abel Soares de Castro, Benjamim Vieira, João de Abreu, Inácio Xavier da Silva, Frederico de Medeiros, Domingos Juliano, Antônio de Queiroz Barreto, Manoel Gomes Pereira, Valério Xavier Brandão, Getúlio Sá, Paulo Augusto de Figueiredo, Gerson de Castro Costa, Hildebrando Veloso do Carmo, Humberto Ludovico de Almeida, Diógenes Sampaio, João Augusto de Melo Rosa, Galeno Paranhos, Dário Cardoso, cônego José Trindade da Fonseca e Silva, Misach Ferreira Júnior, Nicanor Brasil Gordo, Jarbas Jaime, Aldemar Andrade Câmara, Alípio Gonçalves, Antônio Juruena Di Guimarães, Almir Turisco de Araújo, Segismundo de Araújo Melo, Benedito Silva, Jorge de Moraes Jardim, cel, Benedito da Silva Albuquerque, Dermeval de Brito, José Alves Viana, Benedito de Brito, Everardo de Sousa, Maximiano da Mata Teixeira, Paulo Fleury da Silva e Sousa, Antônio Leão Teixeira e Joaquim Taveira que foi considerado por Pedro Ludovico o funcionário número um do estado, pela sua capacidade, dedicação e trabalho.

Depois da mudança da capital, a cidade de Goiás recebeu toda a atenção do governo de Pedro Ludovico. Esse será um capítulo à parte a ser descrito, tão numerosas são suas ações em prol do município de Goiás, em prol da sua cidade natal.

Pedro Ludovico dizia que seu Deus era diferente daquele que pregavam as religiões. Deus para ele era a força cósmica, a consciência universal que não interfere na Terra, mas influencia a humanidade. Era um ponto de vista filosófico: “Deus não castiga, Deus não é bom nem mau, Deus é justo”. Ele não acreditava na vida eterna ou em outra vida depois da morte, mas recebia em sua casa amigos sacerdotes, espíritas, pastores, recebia a todos. Ele teve em o reconhecimento público de seu trabalho, em Goiás e no Brasil. Sua maior obra é Goiânia, indiscutivelmente.

Esta não é uma biografia completa de Pedro Ludovico Teixeira, não contém a sua trajetória política, seu governo e nem a mudança da Capital, que devem ser capítulos descritos posteriormente, mostrando a história que ele e seus auxiliares deixaram escrita, sem revanchismo e sem denegrir seus adversários.

 

Texto: Maria Dulce Loyola Teixeira
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