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Armênia Pinto de Souza

 

Armênia Pinto de Souza nasceu na Cidade de Goiás, no dia 28 de novembro de 1910. Filha do tenente João Odilon Gomes Pinto e da professora Augusta Sócrates Gomes Pinto. Fez os estudos primários e secundários em sua cidade natal e diplomou-se Normalista no Colégio Santana.

No Colégio Santana, realizou cursos de Música, Desenho Artístico e estudou inglês com a família Macyntire. Foi aluna da professora Belkiss, com quem aprendeu Teoria da Música e Princípios Básicos de Harmonia e Teoria de Piano.

Armênia iniciou-se nas letras muito cedo e, aos 16 anos, já publicava crônicas nos jornais de sua cidade, frequentava os saraus e cantava no coro das igrejas. Sua filha Mara, em discurso de posse na Academia Feminina de Letras e Artes – AFLAG, relata:

Minha mãe veio para Goiânia no início da construção da cidade e aqui vivenciou experiências incríveis, que estão relatadas principalmente no seu livro A Saga dos Pioneiros. Morou no Grande Hotel em construção, e seu quarto não tinha sequer porta, somente uma prancha de madeira que era escorada à noite. Logo foram construídas as primeiras casas da Rua 16, no Centro, para onde se mudou. Certa manhã, abriu a porta da cozinha e, ao sair, tropeçou num enorme jacaré que dormia tranquilo no batente da porta da cozinha.

Numa época em que não era comum a mulher trabalhar fora, foi a encarregada, junto com outros colegas, de abrir na nova capital a primeira Agência dos Correios, trabalho esse que foi reconhecido pela instituição, da qual recebeu homenagens.

Pertenceu à União Brasileira de Escritores – secção Goiás, sócia benemérita da Associação Goiana de Imprensa e da Associação de Amigos dos Arquivos de Goiás. Recebeu, em 1997, o Diploma de Mérito Cultural da UBE-RJ.

Tomou posse na Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás em 20 de agosto de 1994, com 83 anos de idade, ocupando a cadeira no 7, que tem como patrona Célia Coutinho Seixo de Britto. Hoje está ocupada por sua filha Mara Públio.

Publicou seu primeiro livro aos 78 anos, denominado “Mariana, uma história de Vida”. Augusta Faro Fleury de Melo, assim se refere a Armênia: “Mulher de fina cultura, herdada dos antepassados, criada num lar equilibrado, cheio de harmonia e valores de espírito”.

O professor Ferreira, mestre do Dicionário Analógico, afamado por sua cultura, foi grande incentivador da escrita da jovem vilaboense, especialmente colaborando no jornal O Lar, editado por Oscarlina Alves Pinto, com a colaboração de mulheres goianas, das quais nos orgulhamos, pois são sempre patronas ou ex-acadêmicas da AFLAG como: Maria Paula Fleury Godoy, Grace Machado, Floracy Artiaga, Maria Carlota Guedes Amorim e outras que formaram a base histórica e cultural de Goiás.

A acadêmica Marilda Godoy diz: “É preciso conviver com essa mulher admirável para avaliar e valorizar o fôlego e a garra de Armênia”.

Trabalhando com a cultura, vivendo e respirando cultura, leitora, escritora, mulher digna, plenificada de amor, ela é um poema de sensibilidade, é uma presença de beleza que nunca incomoda, pelo contrário, é suave sempre, espargindo ternura a todos que com ela convivem, entre filhos netos e bisnetos.

Mara relata, ainda, que sua mãe foi sua aluna de espanhol:

Em 1995, começou o curso e estudou durante 3 anos, sem matar nenhuma aula e com as melhores notas da turma. Com pouco mais de um ano de estudos, já me ajudava com as traduções que estava começando a fazer. O detalhe é que, quando ela decidiu se matricular nas aulas de espanhol, tinha 85 anos.

Confessa que lhe deu de presente um Don Quixote, e ela o leu por inteiro no original.

Mara lembrou com carinho da mãe costureira, doceira, professora, corajosa, destemida e carinhosa:

Mas a Armênia da qual eu quero falar hoje, que quero apresentar e relembrar nesta manhã de sábado, é aquela com a qual nós, sua família, convivemos, e é muito interessante.

Era a mãe que contava histórias. Claro, como sói acontecer, contava histórias como ninguém. De bichos, de mistério, casos verdadeiros aos quais dava nova roupagem, histórias inventadas. De medo, de choro, de riso. Era a mãe costureira. Fazia cada vestido lindo e, quando uma de nós precisava de um novo por algum motivo especial, era capaz de sentar-se à máquina e, em poucas horas, lá estava a roupa pronta para ser usada.

Fez o vestido de casamento de Niomar!

A doceira. Nos aniversários de qualquer um da casa, nunca faltou uma “montanha-russa”, que era tão boa que parecia ser feita de creme de nuvens.

A professora. Quando terminou o curso normal do Colégio Santana, foi alfabetizar crianças. Foi a primeira professora de Octo Marques, pintor e escritor da Cidade de Goiás que, enquanto vivo, mesmo depois de 60 ou 70 anos, ainda a chamava de professora. Alfabetizou todas as empregadas da casa até que uma delas a fez desistir da empreitada. Era uma baiana, dona Rosa. As lições iam bem até que chegou o dia de aprender o eme u imui te ó tcho. E ela pedia à dona Rosa que repetisse: eme u i mui t ó tcho.

A corajosa. Enfrentou algumas situações difíceis com seu marido, num tempo de vinganças e violência. Mas, apesar de ser tão firme em algumas situações, que não se lhe apresentasse um doido! Publicou até uma crônica sobre o Museu das Bandeiras da Cidade de Goiás e as suas desventuras com Henrique Nagô, um louco que vivia preso ali, quando o local ainda funcionava como cadeia pública.

Outra coisa que a deixava em pânico, apesar de não demonstrar para que as filhas não tivessem medo também, eram vacas e bois. E sem saber desse medo, um dia, adentrei a casa da chácara com um boizinho amarrado numa corda. Ela foi parar do outro lado do pomar.

Tocava piano, cantava modinhas e motetos, tinha uma voz muito bonita. Gostava das coisas simples. “Da velha melodia antiga, do sol sobre a campina, da lua cor de prata, da alegria simples do meu lar”, como fala em seu poema “Preferências”.

Era danada de teimosa. Se autointitulava pingo-d’água. E sabia ser essa uma característica de seu signo: sagitariana. Fiel às suas amizades, não via defeito nos seus.

Considerava lindas suas 6 filhas: as 5 que criou e Goiânia.

Quando Armênia tomou posse na AFLAG, em 1994, a Acadêmica e Mestre em Literatura, Nilza Diniz, líder cultural em Morrinhos, fez um belo discurso de recepção e disse:

É digno de louvor aquele que sabe viver a vida com amor. Assim é Armênia. Todo seu ser se desdobra em Amor, toda sua vida é um Hino de Amor.

Amor ao Criador: presente em todos os seus livros, mostrando um coração cheio de fé e confiança.

Amor aos pais: que lhe deixou exemplos de dignidade, justiça, respeito e correção de vida. Esse amor condensa-se em um verso à sua genitora:

 

Mãe é como arroio cristalino
que manso rumoreja entre folhagens
que estanca a sede do pobre peregrino
para que possa prosseguir viagem.

 

Amor ao esposo: com o qual repartiu momentos de ternura, alegrias, tristezas, aventuras e companheirismo.

Amor à família: revivido nas páginas de seus livros, implícitos nas histórias, que são impregnadas de amor ao clã, ainda que transferido para os personagens ou ocultos no prosseguir do texto.

Armênia mesmo reconhece na apresentação de Um anel de esmeralda e em Mariana, uma história de vida, que é um resumo da vida de sua avó, onde, numa viagem ao passado, retrata a identificação entre elas, admirando a dignidade e fortaleza da antepassada. São páginas de ternura e lirismo.

Amor à cidade natal, Goiás: declara claramente sua paixão pela terra de berço, o Largo do Chafariz, a vida bucólica onde todos formavam uma grande e unida família.

Amor a Goiânia: cidade de adoção que ela viu nascer, cidade menina, adolescente, Goiânia mulher feita, adulta, importante, mostrando ao mundo sua beleza. Em seu livro A saga dos pioneiros é flagrante o quanto se dedicou Decreto de nomeação por aprovação em concurso para Diretoria Regional dos Correios e Telegraphos de Goyaz, em novembro de 1935, assinado pelo Presidente da República Getúlio Vargas. E soube amar nossa capital, inclusive nas suas memórias recentes mostra a preocupação na desfiguração dos monumentos históricos. Lembra o Jóquei Clube e se diz inconformada com a destruição do prédio original.

Amor às letras: iniciou-se na literatura bem cedo, com crônicas publicadas nos jornais de Goiás, aos 16 anos. Adolescente rica de imaginação, onde o real e a ficção são constantes em sua escrita. Depois, nos jornais de Goiânia, escrevendo sobre diversos assuntos. Armênia vive intensamente cada minuto de sua vida, colocando dentro de seu coração todos os amores aos quais nos referimos. Eles estão interligados, amalgamados em sua sensibilidade, fazem parte de seu respirar e viver.

Doação foi o sinônimo de sua vida. Como mãe, mulher, esposa, filha; como aluna, professora, funcionária do Correios e Telégrafos. Aliás, foi ela que implantou, em 1936, a primeira Agência em Goiânia, nos tempos da mudança. Doação enquanto acadêmica, como amiga, como escritora, vilaboense, pioneira, enfim, toda a sua vida é um cântico de doação, amizade, sensibilidade, ternura e fé, acobertado por seu espírito justo e digno.

Como amostra de temperamento inquieto e criativo, em 1996, Armênia estudou espanhol, os clássicos escritores, lendo e traduzindo autores de sua preferência.

Estudou Inglês com afinco; aprecia o francês que no seu tempo de Colégio Santana era a língua do momento no mundo da época.

Há um trecho de seu discurso de posse na AFLAG que relembra a Patrona Célia, esse escrito de Armênia é uma página de alto valor literário.

Todos esses registros comprovam o grandioso espírito intelectual da jovem quase centenária, que era ainda engajada nos assuntos de cada dia, preocupando-se com os rumos que o mundo de hoje vai tomando, destruindo os valores fundamentais de equilíbrio humano. Armênia ladeada pela cantora Ely Camargo e pelo escritor Aldair da Silveira Ayres, na época, Superintendente da SUPAC. Família reunida na casa de Armênia. Filhos, netos e bisnetos.

Sempre assídua às reuniões e festividades da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, percebíamos, todas nós, sua fortaleza e determinação, nunca se abatendo com doenças.

Em conversa descontraída com sua filha Mara Públio de Souza Veiga Jardim, escutei fatos que vale relatar:

Minha mãe brigava muito comigo. Achava que eu queria mandar nela. Um amigo psiquiatra me disse que ela via em mim a figura do meu pai. Sou a quarta filha. Eles queriam um filho. Por isso, eu carrego o nome “Públio de Souza”, que as outras não tiveram. Mas se tinha alguma coisa a solucionar, a primeira pessoa que chamava era eu. Era até engraçado… (sorri).

Seus livros são histórias verdadeiras que aconteceram em Goiás. Mariana, uma história de vida era a história de minha avó. O Romance de Elisa é o relato de sua vida. Escondia os nomes verdadeiros e tinha preocupação que alguém reconhecesse a própria história.

Minha mãe tinha 1,48m. Dissera que se casaria com um homem alto. Meu pai tinha 1,90m. E todas as suas filhas são altas. Eu tenho 1,80m.

Engraçado era quando tentava pegar alguma coisa, mais alta; por exemplo, alguma coisa em cima do armário. Logo gritava: “Tem alguém aí com tamanho de homem para abrir este armário para mim?”.

Ela ganhou uma máquina Olivetti, presente do Paulo César. Era aquela, tipo portátil. Era sua favorita. Escrevia e, se tinha algum errinho, recortava um pedaço de papel e pregava em cima do erro.

Ela sempre escreveu. Fazia poesia sempre, mas só começou a mostrar seus escritos, mais tarde. Fazia poemas e textos para os netos e filhos e lhes dava de presente.

Adorava genealogia. Deixou muita coisa escrita. Está tudo bem guardado. Era muito amiga de Jarbas Jayme, seu primo. Dialogava muito com ele, que gostava muito de genealogia também. Mantinha correspondência contínua com ele, falando das famílias de Goiás e Pirenópolis.

Era uma verdadeira fonte de informação. Sabia todas as modinhas de Goiás. Gostava de cantar e foi muito amiga da Maria Augusta Callado.

Tem um artigo que ela escreveu sobre a fragmentação do terreno que era do Instituto de Educação para a fundação da ESEFEGO. Aconteceu no Governo Mauro Borges. Ela ficou muito brava. Gostava muito do Instituto.

Minha mãe tinha um português impecável. Escrevia muito bem. Todas as filhas aprenderam a escrever e a ler com ela.

Cada filha que se casava ganhava um caderninho de receitas. Tinha receitas maravilhosas. E os nomes eram ótimos: “montanha-russa” era um creme amarelo com ameixa e suspiro. Delicioso! Tinha também a “viúva alegre”.

Armênia foi casada com Públio de Souza e teve as seguintes filhas:

Niomar de Souza Pereira, professora de Piano, foi casada com Nilson Pereira;

Clotilde de Souza Frausino Pereira, graduada em Serviço Social, é hoje tabeliã, casada com Valdir Frausino;

Armênia de Souza, engenheira, casada com Carlos Gonçalves;

Mara Públio de Souza Veiga Jardim, graduada em Turismo e Mestrado em Antropologia e Gestão do Patrimônio Cultural, casada com o cardiologista, Paulo César da Veiga Jardim, professor da Faculdade de Medicina;

Moema Públio de Souza Baiocchi, musicista, e graduada em Composição e Regência, casada com Paulo Marcus Baiocchi.

Publicou: Mariana, uma história de Vida (1988; 2a edição, 2001); A Saga dos Pioneiros (1989); O Romance de Elisa (1991); A Estrela Cadente (1992); Um Anel de Esmeralda (1994); O Diário (1995); O Elo Partido (1997); O Mistério da Montanha (1999); O Buriti do Sereno (2001).

Mariana, uma história de Vida

Lançado de 1988, foi seu livro de estreia. Há uma segunda edição pela Editora Kelps e prefácio de sua filha Mara, que nos conta que sua mãe sempre foi uma excelente contadora de histórias:

A nossa infância, de minhas irmãs e minha, foi sempre encantada com suas aventuras, fantasmas, viagens, brincadeiras.

Algumas faziam medo, como a tentativa de Ana e Claro de procurar ouro no Morro Cabeça de Touro; outras eram tristes, e eu nunca me esqueci da morte do Toni, o cachorrinho de seu pai, João Odilon.

O palco de seus casos sempre foi sua terra, Goiás, a cidade pequena encravada entre morros, limitante em sua essência, mas cujos limites, para Armênia, foram amplos horizontes permitindo-lhe entender como Fernando Pessoa, que: “[…] a minha aldeia é grande como outra terra qualquer porque sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura […]”.

Poesias sempre foram escritas, em ocasiões especiais, para ocasiões especiais, para pessoas especiais.

De algum tempo para cá, minha mãe vem escrevendo as histórias que contava. Começou exatamente por sua própria vida, seu casamento com Públio de Souza, suas andanças, mudanças, suas filhas, genros, netos e bisnetos. Suas mudanças geraram um precioso documentário sobre os primeiros tempos de Goiânia, pioneiros que foram de sua construção. Escreveu também sobre sua infância e juventude, a acolhedora casa da avó, onde convivia com primos, amigas, num tempo que se guardou em sua saudade. Entre tantas lembranças, algumas perdas, muitos ganhos, mas, principalmente, o gosto adquirido pelo ofício de escrever.

É desnecessária qualquer análise sobre sua maneira ou estilo de escrever. Assim como contava histórias, ela as escreve. Sem complicações, simplesmente, docemente, como são as histórias das mães. Pena que quem as leia não possa ouvir sua voz cantando as canções que, às vezes, fazem parte da narrativa.

Ela própria datilografa seus escritos, que depois são encadernados e domesticamente consumidos.

Mas com este é diferente. Não só a família, mas seus parentes e amigos começaram a cobrar um exemplar do que era escrito.

Assim, numa manobra cooperativista, cada um fazendo um bocadinho, conseguimos convencê-la a efetivamente publicar o que escreve. Marcos Veiga, o sobrinho mais artista, fez a capa, que ficou linda, mais linda porque a fotografia é de sua mãe, Augusta Sócrates. Das filhas: Niomar fez as correções no original; e Clotilde, a revisão final; Moema encontrou e contratou a gráfica; Menita (a Armênia filha) providenciou a ficha literária.

A minha tarefa é apresentar uma mulher forte, firme, esperançosa, jovem aos seus setenta e sete anos e também a narradora de um tempo tão diferente em seus modos e costumes. Mas apresento principalmente a figura da mãe, que é orgulho e exemplo. Coube a mim assinar este prefácio e o faço em nome de todas nós, suas filhas.

 

 

Texto: Ademir Hamú
Parte da Biografia publicada no Volume 2 do livro DE GOYAZ A GOIÁS de Ademir Hamú, a quem agradecemos a cessão do texto.

 


 

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